Uma análise às palavras do analista Evan Wingren da Keybank Capital

Este senhor defende que os jogos são baratos demais e que as reacções dos jogadores às questões de monetização dos mesmos não é justificável…

A polémica chegou a um pico com Star Wars Battlefront e a forma com este jogo impedia a progressão natural dos jogadores, incentivando às comprar online. Mas pior do que compras é o facto de estas serem realizadas de forma aleatória. Isto é, o utilizador compra apenas a possibilidade de lhe sair algo que lhe interessa, mas não tem garantia nenhum sobre o que realmente está a comprar. São as chamadas Loot Boxes.

E as Loot Boxes e as microtransações são actualmente pragas que assolam os videojogos. Aliás diga-se mesmo que o termo microtransações é já caricato uma vez que ele referia-se a pequenas compras de alguns cêntimos que apareceram em tempos, mas que agora já evoluíram para situações cujo valor pode rondas largas dezenas de euros. Certamente algo que de micro tem muito pouco!

Mas aqui há um duelo de interesses. Os jogadores acham que pagar 70 euros por um jogo é já um custo mais do que aceitável, e que as transacções ingame, desde que tragam vantagens a quem as compra, que estas existam em jogos que propositadamente bloqueiam o progresso do jogador, incentivando às compras, e os seus custos sejam exagerados e mais do que meros cêntimos, são algo a abolir e uma praga que está a destruir o entretenimento criando hábitos de casino nas pessoas.

Esta situação já levou mesmo a comissão Belga de jogos de casino a pronunciar-se sobre o assunto, e esta refere que as práticas aqui encontradas são propositadamente criadas para incentivar os pagamentos, criado hábitos de jogo a menores de idade, sendo que é sua intenção levar a situação à comunidade europeia, propondo a abolição deste tipo de práticas dos videojogos. Sabe-se igualmente que um senador Francês abordou o assunto numa carta ao senado, e que o estado do Havaí tambem pretende abordar o assunto no congresso de forma a que os EUA tomem igualmente uma posição sobre o assunto.



Mas claro, esta posição não é partilhada pelos investidores das empresas. Estes fazem fortes pressões para que as empresas monetizem os jogos de forma a obter os maiores lucros possíveis. É um choque de interesses e de prioridades.

A questão é que a industria acredita mesmo que os compradores são meros zombies e carneirinhos que seguem tudo o que eles querem ditar. Sim, é verdade, há muito, muito zombie e carneirinho que vai em qualquer conversa e treta que as empresas que seguem lhes impingem… talvez até mais do que seria desejável. Mas mesmo assim o mercado não é maioritáriamente constituido por cabeças ocas, e as pessoas ainda sabem pensar. E cada vez mais percebem que se podem unir, e votar com a carteira.

A Microsoft foi a primeira a ver isso na pele, quando os utilizadores boicotaram os seus conceitos do que seria uma consola (algo que curiosamente, e aos poucos, tem vindo a ser introduzido, mas de forma inteligentemente disfarçada de vantagens ao consumidor). Agora foi a EA a sofrer com os seus dois mais recentes jogos, o Need For Speed Payback, e o Star Wars: Battlefront II a serem boicotados pelos jogadores. Este último foi mesmo o grande causador da maior revolta de que há memória, com os boicotes a quebrarem as vendas em 60%!

Mas é aqui que entram as palavras de Evan Wingren, um analista da KeyBanc Capital. E como analista que é, a sua posição nunca é imparcial! Este senhor não consegue ver o lado do cliente, ele toma o partido das empresas, pois são estas que lhe pagam, e é a estas que se tem de agradar. E nesse sentido segue uma velha máxima de todos os analistas, a crença de que o consumidor pode sempre pagar mais um bocado.

Assim, numa nota para investidores transmitida pela CNBC, Evan referiu o seguinte::

Vemos a reacção negativa ao Star Wars: Battlefront 2 uma oportunidade de nos revermos nas posições da Electronic Arts, Take-Two, e Activision Blizzard. A forma como a EA lidou com o lançamento de SWBF2 foi fraca: Mesmo assim vemos que a suspensão das micro transacções a custo prazo é um risco transitório.

Os jogadores não estão a pagar a mais, estão a pagar a menos (e somos gamers)… Esta saga foi uma tempestade perfeita para reacções excessivas pois envolve a EA, o Star Wars, o Reddit, e certos jogadores e jornalistas/outlets puristas que desgostam de micro transações.

Curiosamente até concordo com partes do que Evan refere. Efectivamente a EA lidou muito, muito mal com a situação, especialmente quando referiu, de forma honesta, que as micro transações irão voltar a Battlefront 2. Mas essa honestidade é o motivo porque o jogo continua fora da minha lista de compras! Se vai voltar, quero saber quando e como, pois não arriscarei a que a EA esteja apenas a criar uma base de utilizadores para depois os poder vir a tramar mais tarde com alterações radicais ao jogo!



Apenas quando a EA acertar as pontas e disser ao certo o que será o jogo, irei ponderar a compra! E acreditem, como defensor que fui do jogo anterior, adorava mesmo muito comprar este. Mas dado que sou solidário com as queixas pois não acho que 4528 horas ou 2100 dólares para se desbloquear tudo fossem situações aceitáveis (note-se que actualmente, e devido à polémica, as compras desapareceram, e o tempo de desbloqueio desceu radicalmente. Mas a promessa de que as transações voltarão deixa as questões no ar. Note-se porém que não sou contra as micro transações, desde que justas e bem feitas. Sou apenas contra os abusos, a alteração da veracidade e progressão do jogo, preços e a forma como elas são quase uma benesse e não uma opção.

Já a segunda parte do que diz é que acho ser o mais perfeito e total disparate. Pessoalmente não vejo aqui uma reacção excessiva, mas sim um acumular de frustrações criadas com este tipo de práticas que aqui, pelo abuso, atingiu um ponto limite e transbordou. É bem diferente!

A questão que Evan esqueceu é que a situação tornou-se uma bola de neve. E agora temos a posição da comissão de jogo Belga, do senado Francês e do estado do Havaí. Algo que certamente não tinha ainda acontecido quando Evan escreveu o seu texto. Agora os boicotes aos produtos com microtransações excessivas vão continuar, e a comunidade gamer uniu-se. E sabe-se lá o que vai sair de legislação sobre o assunto nos diversos países. A realidade é só uma… isto não foi um excesso, foi um transbordar de paciencia, e que, quer as empresas gostem ou não, vai ter consequências. Abusaram, e se calhar agora vão sofrer com isso, arrastando aqueles que até nem abusavam pelo meio.

Continuando a análise às palavras de Evan, este refere para justificar a questão de que os gamers estão a pagar pouco pelos jogos, acrescenta a seguinte nota:

Se dermos um passo atrás e olharmos para todos os dados, uma hora de videojogo é uma das formas de entretenimento mais baratas. Uma análise quantitativa mostra que os publicadores de videojogos estão a cobrar pouco aos jogadores e que devem provavelmente subir os preços.

Se um jogador gastar $60 pelo jgo, mais $20 adicionais por mês para micro transacções em loot boxes e jogar por 2.5 horas por dia durante um ano, o custo do entretenimento é de 40 cêntimos a hora. Isto comparado com uns estimados 60 a 65 cêntimos por hora para a TV paga, ou 80 cêntimos por hora pelo aluguer de filmes, e mais de 3 dólares por hora num filme visto no cinema.

E estas palavras deixaram-me chocado… mas chocado como já não ficava à algum tempo. Este senhor analisa a situação de uma forma completamente parcial, esquecendo muitas das realidades únicas dos videojogos.



A primeira coisa que este senhor parece esquecer é que as micro transações e loot boxes são uma prática na maior parte dos jogos e não apenas em um. E que as pessoas não jogam só um jogo durante um ano. Jogam vários!

Neste momento estou a jogar AC: Origins, Gran Turismo Sports e Super Mário Odissey! Isto não me custou dólares, a média foi de 70 euros, e nos três paguei cerca de 210 euros! Se pagasse 20 euros por mês em cada um seriam 60 euros/mês… Uma renda!

Mas mesmo as suas contas estão erradas. 2.5 horas por dia só num jogo??? Para começar, não sei se a média diária para a maior parte das pessoas chegará a isso. No meu caso não nego que há dias que estou mais, mas muitos deles estou menos… há mesmo dias em que nem toco nos videojogos! Mas se estivesse 2.5 horas por dia num jogo, dado que ando a jogar três, precisava de 7.5 horas por dia para eles… Ou seja, era um inútil da sociedade!

Será que estes senhores não pensam? Não veem que o mercado não é um jogo, e que se lançam dezenas de jogos todos os meses e que todos eles precisam de vender? Essa ideia de que alguém fica preso a um único jogo durante um ano, mesmo havendo casos desses, só pode servir para ajudar a provar a sua ideia, mas é certamente um deturpar total e absoluto da realidade.

Há aqui um claro intento de Evan de agradar aos seus clientes, mesmo que esteja com isso a prestar-lhes um péssimo serviço!



Mas mesmo que o custo estimado por hora de Evan estivesse correcto, ele falha noutros pontos. Em qualquer análise, ele é verdadeiramente vergonhoso para alguem que é um profissional.

Vamos por exemplo comparar um filme Star Wars com um jogo Star Wars. O filme em Blu-Ray custa 25 euros e dura, quando muito duas horas. É um custo de 12,5 euros por horas!

O jogo custa 70 euros. E certamente dura mais… mas vamos ver quanto!

A questão é que comprando um filme Star Wars, ele é meu… e vai ser meu toda a vida! Vou vê-lo quando e onde quiser, enquanto tiver um leitor de BD funcional. O meu dinheiro está ali!

Mas e o jogo?



Daqui a uns anos, não sei precisar quantos, o que paguei está reduzido à campanha single player. Os servidores estarão fechados, a componente multi não funcionará, e mesmo a single só funcionará se não fizer verificações online. Mas tudo o que foi pago entretanto em loot boxes… foi-se! Sem o multi, o dinheiro foi ao ar, e não posso usufruir do que paguei. Pior ainda, não sou eu que decido quando e se os servidores fecham. Isso é decidido por mim, e mesmo que queira continuar a pagar… não posso!

São realidades bem diferentes! Daqui a uns anos, o jogo será uma amostra do que paguei, e o investimento será perdido. No filme… não!

Sobre isto o Snr. Evan não fala… porque não lhe convêm! Não é para isto que lhe pagam, mas sim para agradar os clientes!

Um argumento muitas vezes usado é que os jogos não sobem de preço à muito tempo… E é verdade! Mas isto funciona nos dois sentidos!

Quanto foi a recente crise global, e tudo desceu de preço, os jogos não desceram! Para além do mais os jogos possuem alguns benefícios que não são uma realidade em outros mercados!



Para começar o mercado dos videojogos é dos poucos mercados atuais com um crescimento sustentado. E as receitas associadas a ele são a cada ano que passa, recordes. São quase mais mil milhões todos os anos há quase uma década. Só isto mostra que não há a real necessidade de subida de preços

Mas subam o preço dos jogos e o mercado cai. Porque os salários não acompanham, e os videojogos não são uma necessidade! E diga-se que 70 euros é um custo super elevado! Não é fácil para uma família mediana oferecer, do nada, um jogo de 70 euros a um filho!

É a lei da oferta e da procura. Havendo procura os preços caem… e com o mercado em crescimento, eles não caem mas mantêm. Se há procura e os preços sobem, quebra-se esta regra, e a procura desce! Mais básico que isto não há!

A questão é que com a oferta que há atualmente, e onde todos necessitam de vender, uma subida de preços criaria algo semelhante ao que aconteceu em 1983 com o Crash dos videojogos. As empresas veriam as suas receitas cair e  algumas entrariam em falência. Depois as próprias empresas desceriam os preços para competir e poderem aguentar-se, e no fundo nada se alteraria, excepto que as empresas levariam um abanão e teriam de aguentar com prejuízos devido à sua própria atitude.

É este tipo de falta de percepção num suposto analista profissional que me chocou! Mas ressalve-se que isto é apenas a minha opinião.





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