Pode uma marca de consolas decidir adiar o lançamento e alterar as especificações em cima da hora?

A resposta a essa questão surge da boca de Albert Penello, anterior funcionário da Microsoft e ligado ao lançamento da Xbox One.

Como se processa o desenvolvimento de uma consola? E mais do que isso, pode a mesma sofrer alterações no seu processo de desenvolvimento, como reacção ao produto da concorrência?

Albert Penello, ex director de Marketing da Xbox veio ao Resetera explicar um pouco do processo de criação de uma consola. Neste artigo vamos analisar e expandir, de forma a sermos mais abrangentes, a sua explicação, para que se perceba todas as complexidades do processo de criação de um produto como uma consola.

Bem, de acordo com Albert Penello, antigo director de Marketing da Xbox, o desenvolvimento de uma consola não corre exactamente como as pessoas pensam. Na realidade o hardware é decidido com vários anos de avanço, sendo o mesmo desenvolvido à posteriori e de acordo com as especificações pretendidas.

Basicamente o criador da consola decide à partida o preço e as especificações que pretende (havendo naturalmente coerência e consciência na escolha e baseando-se naquilo que se espera serem realidades de mercado, preços e capacidades de desenvolvimento). Isto é o primeiro passo e é decidido com vários anos de antecedência, numa fase onde a consola ainda nem sequer passou do mero conceito. Esta escolha é um dos processos mais ponderados e requer análises e estudos dos mais diversos, tentando-se perceber o preço e as especificações do que pode ser construído, sendo o primeiro passo da execução do novo produto, mas igualmente o mais fundamental de todo o processo.



Este conceito é fundamental na percepção daquilo que podemos ambicionar ter. Não quer dizer que seja o que efectivamente se tenha, pois como referido a questão do preço é tomada em conta logo na concepção, podendo essa realidade alterar-se. Nesse aspecto poderemos perceber que a Sony tenha efectivamente colaborado com a AMD na concepção do Navi, pois para que o seu conceito fosse realidade o GPU teria de obedecer a determinadas características que o tornassem adequado às especificações pretendidas. Da mesma forma a Microsoft terá colaborado com a AMD, igualmente no Navi ou outra arquitectura qualquer.

Basicamente o passo seguinte passa por se modelar a arquitectura tendo o cuidado de desenvolver tudo em paralelo. A ideia da concepção simultânea de todos os componentes é o encaixe perfeito de todas as necessidades, não se tendo componentes que se revelam excessivos para as necessidades, e outros que se tornam insuficientes. Tudo tem de ser afinado e executado de acordo com o conceito do que vai ser criado, e isto inclui a Motherboard, o sistema de arrefecimento, o design da caixa, as antenas, e outros componentes. Só desta forma se pode perceber se tudo cai dentro do alvo de preço a atingir, e caso ele seja passado, todos os componentes serão alterados para o ajuste. Basicamente aqui exclui-se a hipótese de se poupar de um lado para se colocar do outro, sendo que tudo terá de ser correctamente equilibrado. Penello refere ainda que dadas as margens super finas existentes nas consolas, não há espaço para grandes alterações quando desenvolvimento já se iniciou e vai avançado.

No entanto Penello deixa claro que as alterações PODEM existir, mas que elas serão sempre executadas dentro das margens existentes, dando um exemplo. No caso da Xbox One, a totalidade da caixa e do sistema de arrefecimento foi, por erro, desenhada em excesso (o que se torna obvio dado o tamanho da caixa). Felizmente para a Microsoft isso permitiu-lhes aumentar a velocidade de relógio da consola após as primeiras peças terem sido testadas. O overclock nunca fez partes dos planos iniciais, e caso a caixa tivesse sido correctamente dimensionada para atingir o alvo exacto do que era preciso, não haveria margem para a alteração das velocidades de relógio.

Mas as consequências desta mudança não se ficaram por aí, uma vez que uma pequena alteração, mesmo que apenas de 10% nas velocidades de relógio pode ter um impacto de mais de 10% nas peças não aproveitáveis que saem da linha de produção. E isto porque esta alteração não mexe apenas com o sistema de arrefecimento, mas igualmente com o APU em si. São basicamente alterações que podem existir, mas que não são feitas de forma ligeira.

Devido a esta situação das especificações e preços definidos no início do processo as coisas podem evoluir e mudar, mas normalmente são alterações muito pequenas, porque as implicações de alterar algo maior já com o processo avançado são muito grandes. Daí que a ideia de uma empresa reagir em cima da hora em função do que a outra lança, fazendo alterações radicais é um erro fundamental e mostra total desconhecimento de como as linhas temporais de concepção de hardware funcionam.

Estas palavras mostram e explicam muito bem a realidade das coisas. Daí que quem acredita que lançar antes ou depois pode fazer a diferença, está muito enganado. Uma alteração radical a um conceito pré criado teria impactos gigantes nos custos, podendo tornar todo o produto num flop. Os prejuízos poderiam ser de tal forma que o produto estaria irremediavelmente perdido. Basicamente Penello é bem claro que uma empresa reagir a outra num curto espaço de tempo não é uma realidade.



Nesse sentido, tal como aconteceu com a alteração da velocidade de relógio na XBox, e que poderá ter dado algum prejuízo à Microsoft pelo menor aproveitamento dos APUs produzidos, a alteração da Sony da RAM da PS4 de 4 para 8 GB foi uma alteração que só foi possível por dois motivos. O primeiro prendeu-se com o facto que o processo se limitou à alteração de módulos de 1 GB por módulos de 2 GB, sem que tal implicasse qualquer alteração adicional ao hardware. E o segundo foi o facto de a encomenda ser realizada ao mesmo fornecedor e de a alteração ser efectuado antes do início do fabrico da consola. Esta foi uma situação que, apesar do seu grande impacto, acaba por ser menor, e até com menos impacto que a da Microsoft pois não mexe com outros componentes do sistema, mas que poderá igualmente ter dado algum prejuízo à Sony pela alteração do contrato.

Ora a alteração das velocidades de relógio por parte da Microsoft foi uma reacção à diferença de performances face à Sony. Mas uma reacção dentro do possível e das margens que Penello refere. No caso, e porque estávamos um pouco em cima da produção em massa, impedindo outro tipo de alterações, a Microsoft beneficiou de um lapso no design do sistema de dissipação, que estava sobre-dimensionado.

O que isto nos quer dizer é que se realmente há algum tipo de veracidade nos rumores de que a Sony estava preparada para um lançamento da PS5 em 2019, tendo o mesmo sido adiado por eventuais dificuldades dos fabricantes em entregar o hardware (neste caso os limites á produção a 7 nm) veremos o mesmo a acontecer o mais rapidamente possível após essa data. Esperar não trará nenhuma vantagem. Da mesma forma, tendo a Microsoft a sua consola concebida para ser lançada pouco depois, as suas especificações estão fechadas e o que esta lançar não será uma resposta à Sony.

Lançar depois só tem verdadeiramente vantagens quando a situação é espaçada de alguns anos, pois caso contrário esse tipo de resposta não existe. E Penello nesse aspecto desengana quem acredita que a Xbox One X foi criada como resposta ao que a Sony lançou na Pro. Na realidade a X sempre foi concebida para ser como é, e o facto de a PS4 Pro ter as especificações que tem nada teve a ver com a sua concepção. A Pro poderia até ser superior, que a X seria sempre o que é pois pura e simplesmente o seu design, e especificações, estavam fechados há muito tempo. A alternativa era adiar o lançamento vários anos, e começar tudo de novo, o que, claro, não acontece. A alternativa para uma resposta efectiva é assumir elevados prejuízos e lançar algo não equilibrado em todos os componentes, estando assim sujeito a problemas diversos ao longo da sua vida.



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