O que justifica que um jogo de elevada qualidade e aplaudido pela crítica esteja a ser corrido a zeros pelos utilizadores? O certo é que a qualidade está lá, e a justificação de que a história não é tão boa como a primeira, não justifica o zero. Aliás, nada, mas mesmo nada, excepto conceitos de preconceito, homofobia ou um ataque à Naughty Dog, justifica o que se está a passar com as criticas a The last of us parte 2.
Nota: O artigo que se segue foi escrito de forma a tentar não passar qualquer tipo de spoiler, o que torna difícil expor a mensagem que se pretende, pelo que se aceita que o artigo possa ter algumas limitações nesse sentido.
Comprei o The last of us, parte II no lançamento, e o jogo cativou-me imediatamente. É excelente, tem um grafismo de topo, e nesse sentido tenho-o jogado regularmente e estou já relativamente perto do final.
O que vi até agora? Há motivos para as reações dos utilizadores, e os zeros apresentados?
o que se segue é a minha opinião sonre esse assunto:
Estando já perto do fim, em definiria The last of us parte 2, com uma única palavra: Jogaço!
A meu ver, apesar de reconhecer que a história do primeiro jogo era mais emotiva, considero-o uma sequela digna de um do seu predecessor. Um jogo, excelente, com uma história diferente, mas igualmente excelente, e um claro candidato a jogo do ano,
As mecânicas de jogos criadas pelo primeiro jogo, e um dos motivos do seu sucesso, são mantidas, o jogo evoluiu graficamente, alargou o leque de acções, a área de exploração, a interactividade, o número e personalização das armas, e mantêm intactas todas as suas qualidade.
O que muda então? Naturalmente a história! Neste segundo jogo Joel e Elie continuam a ser os protagonistas principais, e em torno dos quais todos os eventos se desenrolam, mas o que claramente muda é a forma como as coisas se centram agora bastante mais em torno do mundo que restou após a pandemia vírica, e não em apenas especificamente nestas personagens.
O que o jogo nos mostra é que o mundo de jogo se comporta como o real… que os NPCs tem famílias e vida, e que há consequências nesse sentido para as acções. E mais do que isso, mostra que determinadas situações julgadas quer ao longo do jogo, quer mesmo no primeiro jogo eram preconceitos. Avaliações causadas pelo medo, e pela situação do mundo, mas que nos impediam de perceber a realidade do outro lado.
O jogo é nesse aspecto uma grande lição. Mostra claramente como os preconceitos criados por apenas aquilo que se julga ver, podem ser julgamentos errados. Que pode haver muito, mas mesmo muito mais do que aquilo que salta à vista, basicamente fazendo lembrar a velha máxima: “Nem tudo o que parece… é”.
Basicamente o primeiro episódio é diferente. Conta-nos a história da pandemia, e mostrou-nos uma história em torno de um Joel e uma Elie que procuravam os pirilampos para a procura de uma cura, uma vez que Elie era imune.
No final, há uma reviravolta de acontecimentos que, quem jogou o primeiro jogo, conhece.
Este segundo jogo é bem diferente na abrangência, e mostra algo bem diferente. Mostra que há mais mundo do que se pensa, e nesse sentido as consequências daquilo que foi feito por Joel e por Elie. E mostra-o num mundo onde os grupos existentes que tentam retomar a normalidade da vida, o fazem de uma forma livre de preconceitos, sejam eles de raças, de orientações sexuais, ou de outras coisas quaisquer. A única coisa neste mundo que cria preconceitos é o medo… o medo de outros poderem destruir aquilo que se tem, medo derivado de se viver constantemente num clima de sobressalto onde se tem a vida sempre em perigo. E este clima de convivência com a violência e de lutar pela sobrevivência torna-se mais do que nunca propício a valores de amizade, e de vingança.
A grande questão é que isso ocorre para qualquer das facções presentes no jogo. E este jogo mostra-nos isso mesmo. Alargando a visão do mundo para fora do mero universo de Joel e Ellie, mostra-nos Que esse preconceito para com terceiros acaba muitas vezes por ser uma visão deturpada de tudo, com uma não diferenciação de tudo que é diferente, e consequências que num mundo como este, resultam numa espiral de violência.
Quando se joga o jogo acaba por se tornar claro que há algumas seitas que, pelo medo e receio, se tornaram fanáticos religiosos, e efectivamente perigosos. Mas que pelo mundo todo há uma grande maioria de grupos que tenta sobreviver e basicamente tenta retomar a maior normalidade de vida possível.
E por serem pessoas que mantêm a sua humanidade, o amor e o carinho, por recearem outros grupos, por não perceberem como estes reagem, interpretando tudo como um atentado à continuação daquilo que vão construindo, quando algum dos lados toma atitudes violentas, o outro responde procurando vingança.
Mas este jogo faz-nos ver, e de forma magistral, que no fundo a maior parte do que temos ali são grupos constituídos por pessoas que mantiveram a sanidade e os sentimentos, que procuram pouco mais do que vidas normais. Que reagem por receio, por instinto, por manutenção do pouco que tem, o que leva a dor extrema em caso de perda, e porque vivem num mundo onde não é possível fugir-se à violência.
Ali vemos que os grupos são constituídos por pessoas das mais diversas cores, e com orientações sexuais diversas. E a sociedade aceita isso sem qualquer preconceito. Porque vive uma era onde isso não é importante, e o importante é a coesão, a amizade e o sobreviver a cada dia.
Mas no fundo real, já fora do jogo, as orientações sexuais de Ellie levaram a um movimento enorme de preconceito. Isso é perceptível em muitas avaliações ao jogo onde se torna clara uma total homofobia! Algo que é mais perceptível quando se critica o início do jogo, que tem como único ponto passível de lhe ser apontado, a relação lésbica de Ellie.
Diga-se que, independentemente dos motivos, o que se passou com as avaliações dos utilizadores ao jogo no metacritic não é normal. Seja pela história, por questões de discriminação, seja pura e simplesmente por um ataque organizado aos jogos da Naughty Dog, o que ali está não é algo que se entenda ou compreenda.
Não havendo questões discriminatórias e homofóbicas, confesso que, dar um zero baseado numa crítica à história é algo que… não se entende! Este não é um jogo chamado Joel & Ellie. É um jogo chamado The last of us… Os últimos de nós! E os dois jogos contaram uma história no primeiro jogo que agora se expande com as suas consequências. O jogo é sobre esse mundo… não sobre o Joel e a Ellie. Tal como o Uncharted não é sobre o Nathan Drake, mas sim sobre a exploração e procura de tesouros e civilizações perdidas.
Para além do mais, não se gostar do final da história não tira a qualidade do jogo. Todas as mecânicas do jogo original estão lá mantidas e melhoradas! Nada há a criticar aqui! Isto é o mesmo que se passa em todos os jogos, absolutamente em todos os jogos que tem continuações.
Quando muito, uma opinião sobre a história ser fraca, poderia ser motivo para num jogo destes, uma obra prima, tal como o primeiro, se dizer que não vale um 9 ou 10, mas sim um 6 ou 7… mas um zero??? Só pode ser má vontade… ou um ataque concertado.
Olhando para o Metacritic, o GTA V, o jogo mais vendido de sempre, tem cerca de 5 mil avaliações em todos os formatos. Daí que o número de pessoas que se mobilizaram para votar de forma clara contra este jogo não é normal… há algo de completamente anormal aqui!
Poucas horas depois do jogo ter sido lançado, haviam já 5 mil análises negativas… Eu ando a joga-lo desde o dia em que saiu, e não o acabei ainda (se jogado convenientemente ele tem perto de 20 horas de jogo), mas algumas horas depois já 5 mil pessoas lhe davam um zero… É anormal… Não há outra palavra a dizer. Soa claramente a um ataque organizado no sentido de deitar o jogo para baixo, e impedir os elogios que o primeiro jogo teve.
Em 48 horas, eram mais de 40 mil os votantes a avaliar o jogo. QUARENTA MIL! Encontrar um jogo com mais de 15 mil votantes é uma raridade, mas este jogo em 48 horas alcançou os 40 mil… e já passou os 56 mil… A maioria a dizer mal e a dar zeros.
Dá o que pensar.
Será que a Ellie ser lésbica é motivo para esta reacção? Se é, não se entende! Isso nem devia ser assunto! O jogo não tem esse preconceito… aceita a coisa com normalidade. Mas a maior parte dos votantes do Metacritic fala do assunto, revelando uma homofobia.
Diga-se que numa altura em que o mundo se uniu contra o racismo, o que se percebe é que claramente houve aqui uma grande dose de cinismo e hipocrisia. Porque quem discrimina, discrimina, seja pela cor da pela, seja pela orientação sexual. O acto criticável é o discriminar, e esse está presente na maioria das críticas. E onde há discriminação… há racismo!
Há um comentário do resetera que resume muito bem aquilo que parece ser claro:
Bem, claro. O jogo é uma grande isca. Está cheio de nuances representativas que são perfeitamente calibradas para activar racistas, sexistas, homofóbicos anti semitas e pessoas com uma visão tribalista de vingança do mundo.
Basicamente, se és uma pessoa horrível, o Tlou 2 vai activar uma série de botões. Chega a ser assinalável a forma como ele é um teste definitivo para perceber se você tem um não um carácter tóxico.
Aliás, a estupidez ou a estupidez fingida de pessoas que gostam de discutir na Internet tornam necessário adicionar este aviso: você não é fanático automaticamente se não gostar do TLoU2. Mas você provavelmente é fanático por ficar chateado com o facto do jogo “forçar as coisas pela goela abaixo”, seja a sexualidade de Ellie, a diversidade racial dos personagens, a maneira como as mulheres são mostradas”, vencendo os homens” ou o fato que você joga com uma ao longo de todo o jogo.
Sinceramente, como referi, não acabei ainda o jogo. Posso dizer que o que vi ali não é nada de extraordinário. É um jogo que explora os preconceitos, sim! Mas com o intuito de nos mostrar como eles são errados. Se essa mensagem não passou, é porque não se percebeu nada do que se tentou passar.
Repito que não acabei ainda o jogo, pelo que o final pode ser a coisa mais decepcionante do mundo. Mas não creio, pois o jogo passou-me a mensagem de que para cada acção há uma consequência, pelo que mesmo que no final as personagens principais acabem todas mortas, a história passou, a moral passou. E apesar de este jogo não ser sobre Joel e Ellie, nada invalida que ao longo desse tempo me tenha divertido à brava a jogar o jogo.
Nota final: Aceita-se que hajam opiniões diferentes. E pessoas que, sem qualquer questão homofóbica pura e simplesmente não tenham gostado do rumo dado às personagens. Gostos e opiniões são pessoais.
Mas se partindo daí alguém avaliou o jogo com zero, algo mais existe, e algo está mal.