Um caso contra o streaming

Devo desde já dar a conhecer que o artigo que se segue, com excepção da tradução, não foi escrito por nós. Ele foi escrito num blog chamado GreendragonCVR, e aqui limitamos-nos a traduzir para Português.

O artigo que se segue pode parecer algo seco, forte e bruto contra o streaming. Mas tudo o que é referido, é suportado por citações de pessoas ligadas à industria, que são citadas no final. Prestem por isso atenção às marcações aqui indicadas e os respectivos links posteriores que suportam as frases. É uma perspectiva, pode ser refutada… mas curiosamente tem muitas semelhanças com a nossa forma de ver a situação.

O CASO CONTRA O STREAMING

Formalmente (problemas com noções independentemente da implementação ou sucesso):



Os serviços de subscrição/streaming existem para conveniência/acesso [i]; mas “o jogo que os criadores vão fazer vai evoluir baseado naquilo que as pessoas estão a consumir” [ii] [é para isso que a plataforma existe, dado que as diferenças vastas entre os jogos moveis e de consola/pc são evidentes: Os jogos móveis são superficiais, diversos, digestível… nada de Red Dead, de Souls ou de Witcher 3]; daí que os jogos feitos para serem baseados em serviços de streaming ou subscrição terão a comodidade como base [uma intenção que compete com a beleza como o bem da obra [iii],[iv].

Os títulos envolventes (e incidentalmente LABORIOSOS), todos os grandes e belos jogos das últimas gerações, nunca seriam publicados sob esses princípios directivos.

Aquilo que é material e mais próximo entre as duas formas de produzir, o dispositivo físico mantido pelo jogador, ditará o critério de digestibilidade, facilidade e superficialidade (como nos filmes de jogos e adultos, jogos móveis e novelas de aeroporto), desde a concepção e forma na mente dos criadores.

Materialmente (barreiras circunstanciais à obtenção da noção [s]); Marketing asinino (dirigido a burros), e indutor de vómitos das partes envolvidas;

Há muitos pontos a serem listados mas podemos tentar: acesso inadequado a alta velocidade (um problema que poderá ser resolvido em breve); falta de propriedade (ou posse irrevogável de uma propriedade com direitos de autor [v]); um modelo de preço estranho (jogos full price com menos acesso dos que os obtidos por via digital, dado que são processados a milhões de quilómetros de distância, ou o preço da subscrição destinado a ter impacto nos jogos AAA de forma negativa); falta total de suporte do publicador; a falta de forma e estéril da distribuição geral. Imaginamos que essa combinação de questões torpedeou o lançamento do stadia quando ainda no útero, e continua a garantir que perderá os poucos que aderiram inicialmente [vi].

A impossibilidade de distribuir um video jogo autotélico (uma obra de arte) com modelos de streaming e modelos de subscrição associados é agravada pelo desafio de recuperar os orçamentos inflacionados dos jogos AAA com apenas alguns cêntimos por mês.



O CEO da Take Two, Strauss Zelnick opina que as ofertas de subscrição, “[na extensão em que existem] são provavelmente melhores para catalogar lançamentos “antigos”, e que a “programação interactiva” não é particularmente bem adequada a uma subscrição” [vii]. Outros publicadores grandes parecem ter ainda menos confiança, com a Capcom, EA, Konami, Remedy, Rockstar e a Square Enix todas elas a abandonarem os planos de serem suportadas pelo Geforce Now [viii] (talvez apenas para começarem o seu próprio negócio de streaming e subscrição, mas tal parece cada vez menos provável dado que os pioneiros se estão a dar mal.)

Para finalizar, seria de se chamar a atenção a uma observação recente da Forbes: “Há uma grande quantidade de conversa nos dias que correm sobre quebrar as barreiras tradicionais de quem joga jogos e vender a biliões de pessoas mais do que é presentemente possível, mas por vezes esse ponto de vista parece ignorar o quão fácil é jogar-se jogos agora. Não tenho a certeza que há uma audiência gigante para uma experiência de jogo AAA para além daquela em que se está a jogar, e essas outras experiências já estão largamente acessíveis: O Fortnite foi sem questão o primeiro título livre de plataformas a atingir a industria, e mostrou como um jogo baseado na actual tecnologia pode ir longe. O streaming pode melhorar esse alcance, mas questiono em quanto.” [ix]

Referencias

[i] “O modelo de subscrição nos jogos actuais, tem uma valor proposto enorme. Mas o acesso… há espaço para melhoria, que o streaming pode desbloquear. Todos compreendem que sso vai acontecer” Matt Bilbey, Chefe de crescimento estratégico da EA (https://www.gamesindustry.biz/articles/2019-07-02-ea-i-struggle-with-the-perception-that-were-just-a-bunch-of-bad-guys)

[ii] no mesmo link anterior

[iii] “O Crackdown 3 é o video jogo equivalente à era de comida de conforto do streaming: uma marca que conheço que não me pede praticamente nada. No mundo dos jogos AAA, é um total anacronismo (um erro cronológico, expressado na falta de alinhamento, consonância ou correspondência com uma época.), flagrantemente em desacordo com um mundo de shooters gratuitos de se jogar como o Fortnite e de chávenas de café sem fundo como o Destiny 2. Posso-o devorar num fim de semana e seguir com o que está na minha lista.



É  este estilo de jogo nômada que aparenta ser o que a Microsoft quer dos seus milhões de subscritores do Game Pass. Enquanto a competição mede o sucesso no tempo que os jogadores passam no seu mega jogo, a Microsoft ostenta dados de como os jogadores do Gamepass não só jogam mais horas que o utilizador de Xbox normal, mas tambem jogam uma maior variedade de jogos… Nesse sentido, para o Game Pass, “mais Crackdown” é tudo o que a Microsoft realmente quer.

Vendido como tal, ele não justifica o seu preço, mas funciona muito bem como um exclusivo Game Pass. Para os fans as expectativas são baixas – Afinal a subscrição só custa 9.99 por mês e possui dezenas de outros jogos. E para a Microsoft, um novo subscritor pode ser mais valioso do que uma compra uma única vez.” (https://www.polygon.com/2019/2/14/18223861/crackdown-3-review-xbox-game-pass)

[iv] “Vamos designar como a tese todas as intenções extrínsecas ao trabalho em si, quando o pensamento animado por essa intenção não atua sobre o trabalho através do habitus artístico movido instrumentalmente, mas justapõe-se a esse habitus para atuar diretamente sobre o trabalho; nesse caso, a obra não é produzida inteiramente pelo habitus artístico e inteiramente pelo pensamento assim animado, mas em parte por um e em parte pelo outro, como um barco puxado por dois homens. Nesse sentido, toda tese, quer pretenda demonstrar alguma verdade ou tocar o coração, é para a arte uma importação estrangeira, portanto uma impureza. Ele impõe-se à arte, na própria esfera da arte, isto é, na própria produção da obra, uma regra e um fim que não é o fim ou regra da produção; impede que a obra de arte brote espontaneamente do coração do artista como uma fruta amadurecida; trai um cálculo, uma dualidade entre o intelecto do artista e sua sensibilidade, que dois, a arte, por acaso, quer ver unidos.

O artista deve ser tão objectivo quanto o homem da ciência, no sentido de que deve pensar no espectador apenas para apresentar-lhe o belo ou o bem-feito, assim como o homem da ciência pensa em seu ouvinte apenas em para lhe apresentar com a verdade. Os construtores da catedral não abrigavam a nenhum tipo de tese. Eles eram, na bela frase de Dulac, “homens inconscientes de si mesmos”. Eles não queriam demonstrar a propriedade do dogma cristão nem sugerir por algum artifício uma emoção cristã. Eles até pensaram muito menos em fazer um belo trabalho do que em fazer um bom trabalho. Eles eram homens de fé e, como eram, trabalharam. O trabalho deles revelou a verdade de Deus, mas sem fazê-lo intencionalmente e por não fazê-lo intencionalmente. (https://maritain.nd.edu/jmc/etext/art7.htm). Não se pode dizer o mesmo do sucesso e do lucro de obras recentes: “essas obras deram lucro, mas sem fazê-lo intencionalmente e por não fazê-lo intencionalmente”?

[v] Upper Echelon Gaming, ‘The Extreme Dangers of Digital Products’ (https://youtu.be/dC3vosu3Bos)



[vi] https://www.forbes.com/sites/paultassi/2020/01/17/google-stadia-needs-its-free-tier-immediately-as-its-numbers-continue-to-fall/

[vii] https://www.videogameschronicle.com/news/its-hard-to-say-if-game-pass-helped-outer-worlds-says-take-two/

[viii] https://www.theverge.com/2020/2/11/21133793/nvidia-geforce-now-no-more-activision-blizzard-games-carriage

[ix] https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:vdxAyb32hP4J:https://www.forbes.com/sites/davidthier/2020/02/05/why-microsoft-doesnt-think-sony-and-playstation-are-the-real-competition-for-xbox/+&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl=ca

Comentários

Esta é uma forma de ver as coisas. De forma alguma poderemos afirmar com toda a certeza que é a correcta, mas é uma que é bem argumentada, e uma que, a comprovar-se, terá sérias consequências no gaming. Acima de tudo, é uma que, para quem realmente gosta do gaming, deve temer.



A realidade é que a própria industria mostra receio, e é realidade também que o streaming existe desde há alguns anos. Os resultados de quem está nesses serviços, foram até hoje desastrosos. Fechos, falências, e insucesso foram a tónica dominante. Um cenário que se pode alterar com as melhorias que se prevêem vir a existir no futuro.

Mas o grande problema do streaming não é a questão técnica. O grande problema do streaming surge exactamente se a questão técnica for superada e a qualidade do ofertado se aproximar da qualidade do jogo local. Aí é que a questão dos pagamentos mensais levanta problemas. A divisão da receita por dezenas ou centenas de empresas, dando meros cêntimos a cada uma não permite a recuperação rápido dos investimentos, limitando a aposta no que pode ser feito. A qualidade dos jogos decairá por consequência, e os videojogos, tal como os conhecemos desaparecerão. Entraremos num mercado de jogos de consumo rápido, superficiais, e em tudo semelhante ao que vemos atualmente no mercado móvel.

E tudo isto devido a uma vontade extrema das empresas de alcançar um mercado maior. Algo que como este artigo refere, nem sequer é preciso, pois Fortnite alcançou esses mercados todos sem a necessidade da criação de uma plataforma que coloque em causa tudo o que existe actualmente.

Da parte que me toca, não é o futuro que me agrada. Não é que goste de pagar 70 euros por um jogo. São caros, muito caros! Mas o certo é que não só possuo a alternativa para os comprar mais baratos (usados, ou com algum tempo de mercado), como sei que desta forma, continuarão a sair em qualidade e quantidade grandes títulos que me interessam jogar.

É por isso um mal que vem por bem. E algo que, na parte que me toca, não quero alterar, especialmente dada a qualidade de jogos como os que tive nesta geração.



 



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